William Carey nasceu pobre na zona rural de
Northamptonshire, no
centro da Inglaterra, a 17 de agosto de 1761. Foi criado num lar anglicano
e seu pai era tecelão e trabalhava num tear em sua própria casa. A infância
de Carey foi rotineira, exceto por problemas de alergia que o impediram de
trabalhar como jardineiro. Em lugar disso, começou a trabalhar como
sapateiro. Aos dezessete anos foi convidado para ouvir uma pregação
"não-conformista" e converteu-se. Aos 22 ou 23 anos dedicou-se
ao estudo das Escrituras acerca do batismo e decidiu ser batizado como
crente, por John Ryland Jr., no rio Nene, em 5 de outubro de 1783,
tornando-se membro da igreja batista. Mesmo morando perto de Oxford e
Cambridge, onde estão duas das mais famosas universidades do mundo, freqüentou
a escola apenas até os doze anos. Antes dos vinte anos, casou-se com a
cunhada de seu patrão, Dorothy, que era cinco anos mais velha de que
Carey, e como muitas mulheres de sua classe naquela época ela era
analfabeta. Os primeiros anos de casamento foram difíceis e pobres.
Depois de algum tempo ele também precisou cuidar da viúva de seu
falecido patrão e seus quatro filhos. Apesar destas dificuldades, Carey
continuou estudando como autodidata e tornou-se um pregador leigo. Foi
consagrado ao ministério em 1785 com a cooperação de John Ryland e
Andrew Fuller, pastoreando a igreja batista em Moulton. Depois assumiu
outro Pastorado em Leicestershire, na Associação de Northampton, embora
mesmo ali fosse forçado a trabalhar para sustentar a família. Ainda
assim ele seguiu um plano rígido de estudos no pastorado. Na
segunda-feira estudava os Clássicos, e na terça-feira estudava hebraico
e Novo Testamento grego, e nos outros dias preparava-se para os cultos.
Durante esses anos no pastorado, sua filosofia de missões começou a
tomar forma, e aos poucos desenvolveu uma perspectiva bíblica do assunto,
convencendo-se de que a Grande Comissão é um desafio para ganhar os
povos não-alcançados para Cristo. Em 1791, depois de várias pesquisas,
notou que 70% do mundo não professavam o cristianismo. Quando Carey
apresentou suas idéias a um grupo de pastores batistas, um deles
replicou: “Jovem,
sente-se”. Quando Deus quiser converter os pagãos, Ele o fará
sem a sua ajuda ou a minha “. Mas Carey não desistiu. Na primavera de 1792 ele
publicou um livro de 87 páginas, intitulado Uma
averiguação da obrigação dos cristãos de usar meios para a conversão
dos pagãos. Em
30 de maio de 1792 pregou, numa reunião de ministros da Associação
Batista em Nottingham, o famoso sermão de Isaías 54.2-3:”
Esperai grandes coisas de Deus e empreendei grandes coisas para Deus “. No dia seguinte", sob a influência de
Fuller, foi
votada a resolução de planejar a formação da “Sociedade Batista para
Propagação do Evangelho entre os Pagãos”. Esta não foi uma decisão
precipitada, pois, como Carey, a maioria dos ministros recebia um salário
de fome, o envolvimento com missões no estrangeiro envolveria tremendos
sacrifícios. Um maior interesse por missões, então, foi encorajado por
Fuller e Carey. Andrew Fuller foi nomeado primeiro secretário e mais
tarde William Carey, informado de que podia sustentar-se a si mesmo,
ofereceu-se à nova sociedade para ir à Índia, sendo entusiasticamente
aceito. Mas esta decisão de seguir para a Índia, com seu clima tropical,
esbarrou na firme recusa de Dorothy. Eles já tinham três filhos, e mais
um estava a caminho. Mas Carey estava disposto a ir, mesmo que sozinho. A
primeira tentativa de embarcar para a Índia foi abortada. Esta demora,
ainda que decepcionante para ele forneceu uma oportunidade para uma mudança
de planos; Dorothy, que dera à luz há três semanas, concordou em ir,
desde que Kitty, sua irmã mais nova, pudesse ir junto. Então, a 13 de
junho de 1793, eles tomaram um navio dinamarquês e partiram para a Índia,
chegando lá em 19 de novembro.
O
começo foi bastante difícil. A Companhia das Índias Orientais tinha
virtualmente o controle do país, e temia que os esforços evangelísticos
de Carey diminuíssem, de alguma forma, seus lucros. Com medo de ser
deportado, Carey levou sua família para morar no interior, onde passaram
pobreza e grandes dificuldades. Ele teve que trabalhar o tempo todo, pois
o pouco que recebia da “Sociedade" era insuficiente para seu
sustento. Seu filho mais novo Peter de cinco anos, morreu de disenteria e
sua esposa jamais se recuperou desta perda, ficando progressivamente
deprimida e mentalmente perturbada, sendo descrita depois por colegas da
missão, como “totalmente louca".
Apesar
desta situação traumática e de precisar estar trabalhando continuamente
numa fábrica, Carey passava horas traduzindo a Bíblia, e pregando e
estabelecendo escolas. Em fins de 1795 uma igreja batista foi organizada
em Malda, embora só houvesse quatro membros - todos ingleses! Mas era um
começo. O culto, porém, atraía grandes multidões do povo bengalês, e
Carey podia afirmar com convicção que “o nome de Jesus Cristo
tornou-se agora conhecido nesta região”. Mas, depois de sete anos em
Bengala, Carey não podia reivindicar nem um só convertido indiano. Mas
ele não ficou desanimado. Em 1800, chegaram mais missionários ingleses,
e para evitar as perturbações com o governo inglês eles se mudaram para
Calcutá, no território dinamarquês de Serampore, e foi ali que ele
passou os 34 anos restantes de sua vida. Com mais dois colaboradores,
Joshua Marshman e William Watd, se tornaram conhecidos como o "Trio
de Serampore" - uma das mais famosas equipes missionárias da história.
Este posto abrigava dez missionários e seus nove filhos, numa verdadeira
atmosfera familiar. Eles viviam juntos e tinham tudo em comum. Nas noites
de sábado, eles se reuniam para orar e para dividir suas reclamações,
sempre "prometendo amar uns aos outros'. Ruth Tucker diz:” 0 grande
sucesso da Missão de Serampore durante os primeiros anos pode ser
creditado em grande parte a Carey e seu comportamento santo. Sua disposição
para sacrificar os bens materiais e ultrapassar o chamado do dever foi
sempre um exemplo contínuo para os demais.”Como prova do trabalho
harmonioso realizado em Serampore, foram organizadas escolas, levantou-se
uma grande estrutura para o estabelecimento de uma impressora e acima de
tudo, o trabalho de tradução continuava sendo feito. Em 20 anos, Carey e
os seus amigos publicaram folhetos em 20 línguas e porções das
Escrituras em 18. Durante seus anos em Serampore, Carey fez três traduções
da Bíblia inteira (bengalês, sânscrito e maráthi), ajudou em outras,
traduções da Bíblia inteira e traduziu o Novo Testamento e porções bíblicas
em muitas outras línguas e dialetos - sempre refazendo-as para que fossem
bem compreendidas. Carey disse ao completar uma de suas traduções:
"Existem apenas dois obstáculos ao trabalho de Deus: o pecado do
coração humano e a falta das Escrituras. Aqui, este último foi
removido, pois o Novo Testamento já está traduzido em bengali “.
Durante os primeiros 18 séculos de história do cristianismo foram
feitas 30 traduções da Bíblia. Carey, e seus companheiros de Serampore
e Calcutá dobraram o número nas três primeiras décadas do século 19!
Ele também escreveu dicionários e gramáticas. A evangelização era uma
parte importante do trabalho em Serampore. Carey e seus amigos, até o ano
de 1818, depois de 25 anos de trabalho batista na Índia, podiam contar
600 convertidos, depois batizados, e alguns milhares que compareciam às
aulas e cultos. Além dos trabalhos de tradução e evangelização, Carey
procurou preparar um ministério indígena. Pensava que era fútil
evangelizar a Índia com missionários estrangeiros. Estabeleceu o Colégio
Serampore, em 1819, que se tornou o centro de um grupo de escolas, para o
treinamento de fundadores de igrejas e evangelistas indianos. A escola
começou com 37 alunos, indianos dos quais mais da metade era constituída
de cristãos. Ele também se
envolveu no ensino secular, tendo sido convidado para se tornar professor
de Línguas Orientais no Colégio de Fort William, em Calcutá.
"Tratava-se de uma grande honra para Carey, um sapateiro inculto, ser
convidado para preencher tão elevada posição, a qual foi aceita com o
apoio entusiasta de seus companheiros. A posição não só proporcionou
uma renda muito útil aos missionários, mas também os colocou em melhor
situação diante da Companhia das Índias Orientais e deu a Cárey uma
oportunidade para aperfeiçoar seu conhecimento de línguas enquanto
procurava responder as perguntas de seus alunos”.
Por causa de seu trabalho, Carey não podia cuidar dos filhos como
necessário e sua natureza dócil impedia-o de aplicar a devida
disciplina, cuja falta estava se manifestando no comportamento dos
meninos. Ao falar desta situação, Hannah Marshman escreveu:
"O bom homem via e lamentava o mal, mas era brando demais para
aplicar a correção eficaz". Mas
Hannah interveio. Mas em 1807 seu filho Félix foi ordenado como missionário
para a Birmânia, e em 1814 Jabez foi ordenado para ás Ilhas Molucas. Em
1807, aos 51 anos de idade, Dorothy Carey morreu. Carey sentiu-se, sem dúvida,
aliviado. Ela há muito deixara de ser um membro útil da família missionária,
sendo na verdade um impedimento para a obra. John Marshman escreveu como
Carey quantas vezes trabalhava em suas traduções, "enquanto uma
mulher insana, freqüentemente alterada ao máximo, se encontrava no
quarto junto ao seu...” Depois, em 1808, ele casou com Lady Charlotte
Rumohr, nascida na família real dinamarquesa e vivendo em Serampore, na
esperança de que o clima fizesse bem à sua frágil saúde. Ela foi
convertida pela pregação de Carey, sendo batizada por ele em 1803, e a
partir daí, começou a dedicar tempo e dinheiro à missão. Carey foi
verdadeiramente feliz nos treze anos em que durou o casamento, tendo se
apaixonado pela primeira vez na vida. Charlotte tinha uma mente brilhante
e um dom para lingüística, auxiliando Carey em seu trabalho de tradução.
Ela também se aproximou dos meninos, tornando-se a mãe que eles jamais
haviam tido. Ela veio a falecer em 1821. Dois anos depois com 62 anos,
Carey casou-se novamente com Grace Hughes, uma jovem viúva, que cuidou
dele até o fim da vida. A Companhia das Índias Orientais opôs-se ao
trabalho missionário, o que acarretou reações hostis na Inglaterra. A
Companhia receava perder seus lucros da escravidão. William Wilberforce
(1759-1833), membro da igreja anglicana, abolicionista do tráfico de
escravos e líder político no Parlamento inglês, tornou-se o campeão da
causa missionária, juntamente com outros, que alcançaram sucesso em uma
resolução do Parlamento a favor da liberdade dos missionários batistas
na Índia, em 1813.
Um
incêndio em Serampore destruiu muito do trabalho feito pelos missionários
até 1813 - seu enorme dicionário poliglota, dois livros de gramática e
versões inteiras da Bíblia. Os batistas ingleses contribuíram com
10.000 libras para a aquisição de novo equipamento.
Durante
quinze anos a missão em Serampore trabalhou e conviveu em relativa
harmonia, mas quando novos missionários chegaram, a situação mudou.
Eles não se sujeitaram ao estilo de vida comunitária da missão. Um
deles exigiu “uma casa separada, estábulo e serviçais”, e achavam os
veteranos, especialmente Joshua Marshaman, ditatoriais. Como resultado,
por causa da inabilidade do grupo mais novo, houve uma divisão, e os
missionários mais novos formaram a União Missionária de Calcutá, a
poucos quilômetros de seus irmãos batistas de Serampore. William Ward
descreveu a situação como ”indelicada”. Mesmo os membros da
Sociedade, na Inglaterra apoiaram os jovens, e por isto, em 1826, a Missão
de Serampore cortou relações com a Sociedade Missionária Batista. Ele
morreu em 1834 em Serampore e a seu pedido uma tabuleta simples marcou sua
sepultura, com a inscrição: “Verme vil, pobre e incapaz, caio em Teus
braços carinhosos”.
Carey
estava avançado no tempo em sua metodologia missionária. O bispo
anglicano Stephen C. Neill propôs um modelo hierárquico de ação em três
níveis sobre a penetração do evangelho na cultura. Para ele, em
primeiro lugar, alguns costumes não podem ser tolerados, tais como: a
idolatria, infanticídio, canibalismo, vingança, mutilação física,
prostituição, ritual etc. Em segundo lugar, alguns costumes podem ser
temporariamente tolerados, tais como: a escravidão, o sistema de castas,
o sistema tribal, a poligamia etc. E, em terceiro lugar, há alguns
costumes cujas objeções não são relevantes para o evangelho, tais como
o homem e a mulher sentarem-se separados nos cultos, costumes alimentares,
vestimentas, hábitos de higiene pessoal etc. Uma outra categoria que
poderia ser acrescentada entre a segunda e a terceira, trataria de
assuntos onde há controvérsias entre as igrejas. Antecipando estas
formulações, Carey por um lado, se opôs às práticas indianas
prejudiciais, como a queima de viúvas e o infanticídio, mas em outras áreas
procurou deixar a cultura intacta, jamais tentando
impor sua cultura ocidental. Seu
objetivo era fundar uma igreja nativa “através de pregadores locais”,
fornecendo as Escrituras na língua nativa, e foi com esta finalidade que
dedicou sua vida.
Missões
não são o alvo final da Igreja, mas o culto é. O culto é o impulsor
das missões, e o alvo das Missões é trazer as nações para glorificar
a Deus. “Quando a chama da adoração queima pelo verdadeiro calor da
real dignidade de Deus, a luz das missões brilhará até os mais remotos
povos da terra”. Onde a paixão por Deus é fraca, o zelo por missões será
fraco. William Carey expressou esta conexão da seguinte
forma, “Quando eu deixei a Inglaterra, a minha esperança de conversão
da Índia era muito forte; mas em meio a tantos obstáculos, ela viria a
morrer, a menos que fosse sustentada por Deus. Bem, eu tenho Deus, e a Sua
palavra é a verdade. Ainda que as superstições dos pagãos fossem mil
vezes mais fortes do que são e o exemplo dos europeus mil vezes pior;
mesmo que eu fosse desertado por todos e perseguido por todos, ainda assim
a minha fé fixa na Palavra que não pode falhar, se elevaria acima de
todos os obstáculos e venceria cada tentação. A causa de Deus triunfará".
Se Carey perseverou foi por causa da visão de um Deus soberano e
triunfante. Esta visão tem de vir primeiro. Experimentá-lo na adoração
precede o propagá-lo em missões.
Dedicado
Integralmente, William Carey era um autodidata, apaixonado por lingüística
botânica, história e geografia. Ele aprendeu latim, grego, hebraico
italiano, francês, holandês bengali, sânscrito, marathi, outras línguas
orientais. Uma página de seu diário dá a idéia de sua dedicação: Leu
a Bíblia em hebraico às 5h45 para sua devoção particular, realizou o
culto doméstico em bengali às 7h, leu com um intérprete um escrito em
marathi às 8h, trabalhou na tradução de um poema em sânscrito para o
inglês às 9h, deu uma aula de bengali na Universidade às 10h, leu as
provas do livro de Jeremias em bengali às 15h, traduziu o oitavo capítulo
de Mateus para o sânscrito com o auxílio de um tradutor da Universidade
às 17h, estudou um pouco a língua telinga às 18h, pregou em inglês
para um grupo de oficiais britânicos e suas famílias às 19h30, traduziu
o nono capítulo de Ezequiel para o bengali às 21h, escreveu cartas para
a Inglaterra às 23h, e antes de dormir, ainda leu um capítulo do Novo
Testamento em grego. Para Carey, o que contava não era dar tempo integral
à obra de Deus, mas dar dedicação integral. Apesar
de não ter feito nenhum curso de primeiro e segundo graus, Carey recebeu
o título de Doutor em Divindades da Brown University em 1807 aos 46 anos,
e foi membro de três sociedades científicas com sede em Londres. Foi um dos poucos missionários que nunca voltou à pátria,
nem para férias, nem para trabalhos especiais, nem para morrer. Teve três
esposas, sete filhos e 16 netos, dos quais o último veio a falecer em
1957. O púlpito da Abadia de Westminster, em Londres, do qual se faz a
leitura das Sagradas Escrituras em todas as cerimônias religiosas
inclusive casamentos da família real, é dedicado a Carey. Na madeira do
púlpito está escrita a maior mensagem do famoso missionário: “Esperem
grandes coisas de Deus, empreendam grandes coisas para Deus".
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